quinta-feira, janeiro 25, 2007

JUSTIÇA???

1)
10 empresários são constituídos arguidos num mega processo. Os empresários pertenciam a uma rede de falsificação de facturas, o que permitia empolar ficticiamente os custos das sociedades e, dessa forma, lesar o Estado em milhões de Euro de impostos. A Polícia Judiciária actuou com base em escutas telefónicas aos principais suspeitos, que são também um dos principais suportes da acusação. Por lapso dos operacionais da PJ, um dos números colocados sob escuta não foi incluído na listagem de telefones a averiguar que foi assinado pelo juiz competente. Também na fase de validação das escutas, o juiz esqueceu-se de validar um dos apensos que continha a transcrição das gravações de um determinado número de telemóvel. Com o julgamento a decorrer, os advogados de defesa dos empresários apresentam um requerimento a solicitar a declaração de nulidade das escutas telefónicas com base nas falhas atrás descritas. No final, o julgamento cai por terra e os empresários, culpados até à medula, saem em liberdade total e sem qualquer mancha no cadastro. À noite vão comemorar com um jantar bem regado numa conhecida marisqueira da capital, onde chegam ao volante dos seus carros de alta cilindrada. O operacional da PJ é repreendido internamente pelos seus superiores hierárquicos e transferido para uma secção administrativa, perdendo algumas das regalias salariais que auferia e fica com a sua carreira em risco derivado de um processo de averiguações interno que poderá conduzir a um procedimento disciplinar. O Juiz responsável pela instrução do processo permanece imaculado no seu cargo. Instado a pronunciar-se sobre este caso o Presidente do Conselho Superior de Magistratura repudia o tom crítico como os media têm tratado o caso e alerta para a campanha difamatória que os meios de comunicação social intentam contra a Magistratura Judicial, cuja seriedade e competência, segundo ele, está acima de qualquer suspeita.

2)
Um juiz do tribunal da relação de Lisboa, depois de uma saída nocturna, regressa a casa já bem abastecido de álcool. Na Segunda Circular perde o controlo do carro, e embate violentamente contra uma viatura que seguia na faixa ao lado. Na sequência do teste de alcoolemia, o juiz apresenta um teor de 2.2 de álcool no sangue, o que, em condições normais, implicaria a detenção do condutor e sua apresentação, logo que possível, a um juiz de turno para aplicação das medidas de coacção e/ou pena aplicável. Todavia, como a pena máxima de prisão para este caso é de 1 ano, o magistrado invoca o seu estatuto e regressa a casa onde descansa da ressaca. Como juiz, ele será julgado em tribunal próprio, por um dos seus pares, designado pelo Conselho Superior de Magistratura, onde o sentenciam a uma multa de mil Euro e inibição de conduzir por 1 mês. No final, o meritíssimo juiz paga a multa e regressa a casa ao volante do seu carro, certo de que bastará mostrar o seu cartão oficial para impedir qualquer inspecção por parte das autoridades competentes.

3)
Este mesmo juiz da Relação de Lisboa é amigo pessoal de um abastado empresário da zona de Lisboa desde há longos anos que tem um processo pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, derivado do recurso interposto por um ex-funcionário que foi despedido com justa causa há dois anos atrás e cuja decisão, em primeira instância, foi favorável à empresa. O ex-funcionário, que não apresentou testemunhas ligadas à empresa, em 1ª instância, por as mesmas serem trabalhadores da firma e recearem represálias, alega que era prática corrente na firma a pressão junto dos funcionários para permanecerem no seu posto de trabalho para além do horário de trabalho, sem qualquer compensação monetária, como aliás é de lei. Apesar da falta de testemunhas, apresenta documentos diversos que, segundo ele, serviriam como prova dos factos ocorridos. Num jantar de amigos o empresário comenta com o magistrado o facto de ter o processo pendente na Relação a aguardar despacho, e enumera o rol de factos que levaram ao despedimento do empregado. Segundo ele, o empregado recusava-se continuamente a realizar tarefas que lhe competiam e que se enquadravam nas suas funções.
No dia seguinte, e depois de constatar qual era o juiz relator do processo em causa, almoça com o mesmo onde comenta a conversa que teve com o seu amigo empresário.
A relação dá razão à empresa, e ainda condena o ex-funcionário a pagar a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais à firma.

4)
Um jovem magistrado com residência e casa própria em Leiria obtém a sua primeira colocação na Comarca de Beja. O Juiz acciona o Artigo 29º e 26º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e adquire uma habitação própria no centro da capital do Baixo Alentejo, tendo direito, por isso, a um subsidio de compensação que é fixado tendo em conta os preços correntes praticados no mercado local de habitação(compensação esta que não tem incidência de IRS e cujo valor máximo ascende a +/- 700 Euro).As despesas relacionadas com a sua deslocação e dos seus bens pessoais, independentemente do meio de transporte utilizado, são reembolsadas pelo Ministério da Justiça.
Como juiz, tem direito à dedução, para cálculo do IRS, das quantias dispendidas com a valorização profissional até ao montante afixado anualmente pelo Orçamento do Estado.
Atendendo a que Beja é um local relativamente pequeno, o Juiz requisita o uso, porte e manifesto gratuito de arma de defesa e respectivas munições (que é independente de licença ou participação). Dado que se desloca de carro, não utiliza o direito especial invocado no artigo 17º, alínea C (utilização gratuita dos transportes públicos dentro da sua área de circunscrição). Recebe perto de 2.400,00 Euro.

Já o seu amigo de infância, o Pedro, resolveu seguir a carreira de professor. Como foi colocado em Santa Maria da Feira, a trinta quilómetros do Porto, teve de suportar os custos com a deslocação pessoal e dos seus bens, bem como o aluguer da casa (cuja renda é ligeiramente superior derivado de necessitar de uma habitação mobilada).
Estando no início da sua vida profissional e sendo uma pessoa que pretende seguir a carreira docente, o Pedro adquire mensalmente diversos livros indispensáveis à sua formação profissional. Contudo, não aufere qualquer dedução no IRS por este facto. Como não possui viatura própria, desloca-se da sua residência para a escola em transporte público, cujo custo mensal ascende a 25,00 Euro.
Apesar de existirem diversos problemas nas turmas que lecciona, nomeadamente alunos de etnia cigana cujos pais, segundo ouviu dizer, ameaçam os professores continuamente, não tem direito a qualquer protecção especial. Já pensou em comprar uma arma e pedir uma licença de uso e porte. Recebe perto de 900 Euro.


Os casos descritos são fictícios. Todavia, o comum dos cidadãos certamente que se revê nos factos apresentados. A total impunidade dos juízes e os incompreensíveis direitos que detém devem ser alvo de reflexão por todos os cidadãos que desejam uma sociedade mais justa e universalmente equilibrada.

Se certos direitos se compreendem, derivados da especificidade da sua função profissional, outros existem que só podem provocar perplexidade, nomeadamente se comparados com a realidade de muitos outros casos.
Milhares de professores são deslocados centenas de quilómetros da sua residência e o que recebem como compensação?

Milhares de funcionários públicos deslocam-se para os seus empresa utilizando o transporte público e pagam!!

Um trabalhador do sector privado comete um erro que prejudica gravemente a empresa e é despedido.
Um funcionário público tem um deslize grave na sua função e coloca a sua carreira em risco, sendo alvo de um processo disciplinar e vendo algumas das suas regalias (se as tiver), retiradas.

Que outra actividade profissional tem capacidade para mover influências, influenciar a vida de pessoas e empresas como a dos juízes, perante a capa da impunidade que eles próprios desenvolveram e que os sucessivos governantes permitem??

Todos os juízes são iguais??

Certamente que não!! De certeza que existem juízes que profissionalmente e pessoalmente são excepcionais, ou pelos menos, competentes no desempenho das suas funções.

A questão é que o espírito corporativista latente na sociedade portuguesa e que encontra nos juízes um magnânimo exemplo, impede que os cidadãos portugueses, que contribuem com os seus impostos para a sua existência, tenham a percepção real da sua capacidade profissional.

Ao abafarem internamente os casos; ao promoverem uma política de secretismo em relação ás suas funções e mérito profissional individual; ao defenderem-se cegamente entre si, sob a capa de uma pretensa superioridade inerente à sua função, os juízes estão a prestar um péssimo serviço ao país e, não tenho dúvidas, também à sua classe profissional, a longo prazo.