Admito que nunca tive muita paciência para ir cortar o cabelo. Aquele período de tempo precioso da minha vida, em que estou sentado numa cadeira enquanto alguém rodopia nervosamente pela minha cabeça empunhando uma instrumento de corte capaz de me arrancar a jugular pela raiz, sempre pareceu-me uma tremenda perda de tempo.
Até determinada altura da minha vida eu frequentava os "barbeiros de bairro", que se caracterizam essencialmente por serem estabelecimentos comerciais com 5 cadeirões colocados em fila, com a bacia de lavagem da cabeça colocada em frente dos assentos, espelhos a toda a dimensão das paredes frontal e traseira e uma decoração atrasada 50 anos no tempo, com abundantes frascos de Old Spice e Restaurador Olex nas prateleiras empoeiradas.
Curiosamente, mesmo quando estes barbeiros são alvo de obras profundas por parte dos seus proprietários permanecem com o mesmo meio século de atraso, sendo que a única grande alteração prende-se com o facto de os azulejos acompanharem as últimas tendências da moda "Emigrante 2007" e existir uma acumulação excessiva de pó de azulejo nos frascos de Old Spice.
Espalhados um pouco por todo a loja encontramos jornais desportivos e edições anteriores do Almanaque Borda D'Água, encardidos de penugem proveniente de diversos clientes.
- Não tecer críticas, mesmo que construtivas, ao funcionamento do espaço comercial e/ou do profissional do corte. Eles possuem normalmente um elevado sentimento de protecção do seu ofício, pelo que caso enverede por uma atitude de crispação habilita-se a um corte de cabelo ridículo que o fará corar de vergonha, bem como a ser alvo de algumas atenções verbais mal saia da loja, tipo “empertigado de merda!!”
- Elogiar as propriedades químicas dos produtos que o barbeiro utiliza. Caso elabore alguma consideração menos favorável ao shampoo do Minipreço que lhe estão a espalhar na cabeça, o barbeiro certamente rangerá entre-dentes: “Tu deves é estar habituado a frequentar os cabeleireiros dos panilas!!”
- Se estiver num cadeirão ao pé da montra, e caso passe na rua um belo exemplar do sexo feminino, deverá rodar a cabeça de modo a acompanhar a deslocação da mulher. Este acto, para além de demonstrar a sua masculinidade é, acima de tudo, um acto de boa educação para o barbeiro, pois desta forma também ele poderá parar o seu trabalho e acompanhar a locomoção da bela jovem. Seguidamente irá verificar que o barbeiro encolhe-se até que o seu olhar fique geometricamente alinhado com a sua nuca, e irá perguntar “O meu caro amigo viu aquilo??”.
Atenção!! lembre-se que deve sempre responder que sim, mesmo que não tenha reparado em nada, pois caso contrário fica com fama de “larilas pega de empurrão!!”. Preferencialmente aplique observações espirituosas do tipo “bela tranca sim senhor!!” ou “Grande par de melões, hein??” ou “é toda boa, não é??”.
Como pode imaginar, se por infortúnio do destino, a bela mulher que passou pela montra é, na realidade, a filha do barbeiro, prepara-se para ficar sem sítio onde pendurar os óculos (não desanime, sempre pode ser confundido com o Niki Lauda!!).
- Por último, a questão da gorjeta, que deverá ser atribuída com o devido cuidado: Não dê a ideia de que é um acto de misericórdia. Nesta situação, o barbeiro dirá para os restantes fregueses quando você abandonar o local: “olha-me este, até parece que preciso do dinheiro dele!! Eu, que tenho casa própria na Brandoa, casa de férias na Costa e um atrelado montado no parque de campismo da Quarteira, que grande badameco!!” Mas, por outro lado, não deve ser sovina, nem transmitir essa imagem, pois aí o discurso muda para: “Já viram isto, como as pessoas são hoje em dia?? Trabalho das 07.00 à 23.59, tenho de sustentar 35 filhos, 5 pais, e 16 irmãos adoptados e este gajo pinga-me esta moeda de 20 cêntimos para a mão!! Isto fazia falta era 2; 2 salazares!!!!”
P.S. – Ahhhh, É verdade, se tem amor pela vida, não discuta a eleição dos “Grandes Portugueses” que decorreu na RTP1!!