quarta-feira, junho 13, 2007

GUIA PARA OS SANTOS - GPS

É noite de Santo António em Lisboa, o que equivale a descrever o ambiente da capital deste pequeno país como estando envolvido num clima de festa pela noite dentro, com multidões de peregrinos noctívagos a percorrem as mais recônditas ruelas de Lisboa com uma sardinha assada numa mão e um copo de tinto na outra.

Todavia, o leitor incauto que desconheça a realidade dos santos populares dos alfacinhas e que deseje deslocar-se a Lisboa para uma noite de diversão, pode deparar-se com problemas, derivado da sua inata ignorância.

Bocas Amargas, sempre atento às necessidades dos leitores, apresenta o Grande Guia da Noite dos Santos Populares, ou, abreviadamente, o GPS (Guia Para os Santos).

De modo a facilitar a compreensão deste guia, vamos seguir o percurso simulado de dois jovens casais que resolveram abandonar as suas belas vivendas geminadas numa urbanização moderna nos arredores do Bombarral para saborearem a festa da Capital.

Entram na cidade enfiados no Fiat Punto vermelho adquirido ao primo vendedor de automóveis, com o seu auto rádio em volume apreciável a debitar canções de cariz intelectual de artistas como Quim Barreiros e Tony Carreira.

Já que estão na capital, resolvem aumentar o nível musical e colocam o cd dos êxitos musicais do Agrupamento Musical Diapasão, para a malta cá de Lisboa não os acusar de serem uns bimbos de primeira, até que se deparam com o primeiro problema:


1 – CHEGADA E ESTACIONAMENTO

A noite de Santo António passa obrigatoriamente pelos bairros populares lisboetas, que se situam mais junto ao Tejo (Castelo, Alfama, Bica, Bairro Alto etc), em ruelas estreitas e largos desmesuradamente inclinados (pelo menos no final da noite são). Desta forma, recomendamos que os nossos estimados casais estacionem o carro bem longe do centro da agitação. Um local recomendado poderá ser o parque de estacionamento do Campo Grande, que dista apenas 7 quilómetros dos bairros típicos.

Depois de arrumar o carro, não se esqueçam de tirar o painel frontal forrado a alumínio do rádio, a antena e ligar os 256 alarmes e medidas de segurança que povoam o bólide, porque isto de ter um Fiat Punto com 4 anos, ainda por cima com tampões embelezadores nas rodas e uns aleirons laterais chama os ladrões das redondezas (e os de carros também, claro!!)

Os rapazes sacam do belo blusão de cabedal comprado numa ida a Ceuta com o pessoal da Casa do Povo, enquanto as jovens colocam o seu casado branco por cima do vestido azul marinho, enquanto dão os últimos retoques na maquilhagem e calçam a bela sandália branca com enfeites em forma de elefantes roxos com salto de 5 cm (boa ideia, até porque não vão ter de andar nada!!)

Apanham o metro até ao Marquês de Pombal e depois mudam para a linha que os transportará até aos Restauradores. Não se preocupem se por acaso só conseguirem entrar no comboio à 30ª tentativa, porque é normal neste dia.


2 – AS MARCHAS DOS SANTOS POPULARES

O acontecimento mais mediático da grande noite do Santo António são as Marchas que desfilam pela Avenida da Liberdade abaixo.

É fácil de reconhecer o local. Trata-se de uma larga avenida que, neste dia, está encerrada ao trânsito, e por onde passam diversos agrupamentos de jovens e menos jovens a cantar exactamente a mesma porcaria de melodia vezes sem conta com letras rascas e repetidas sobre a vida maravilhosa de bairros lisboetas reconhecidos pela sua qualidade urbanística, limpeza, organização e elevação social económica e cultural como a Bica, o Bairro Alto e a Madragoa.

Nas laterais dos desfiles estão presentes, na bancada de honra, altos dignitários estatais e municipais que, nesta altura, estão arrependidos da carreira política escolhida, e, pela avenida inteira, aquilo que se designa por povo, o que equivale a dizer que se trata de cidadãos portugueses que não têm mais nada de interessante para fazer num dia à noite do que ir para o meio da rua aplaudir a grande marcha de Campo de Ourique apadrinhada pelo João Baião.


3 – OS ARRAIAIS

Quando acabam as marchas começa a debandada para os locais dos arraiais. E os dois jovens casais perguntam-se, o que são e como são os arraiais lisboetas?

A resposta é simples: Todo e qualquer espaço público com uma área superior a 20 M2 com duas mesas, um tipo a tocar órgão e a cantar os últimos êxitos do verão de 1937, diversas miúdas a dançarem umas com as outras sob o olhar libidinoso de jovens com brinco na orelha, enfeites espalhados pelo ar e um fogareiro para as sardinhas e os pimentos pode ser considerado um arraial.

Portanto, caros jovens, a partir deste momento, basta conseguirem perfurar através das 1.989.545 pessoas que se encontram à vossa frente a subir a rua em direcção ao Castelo de São Jorge, passearem pelas ruas tipicamente estreitas dos bairros lisboetas onde alguns casais já aviadinhos de tinto carrascão aproveitam para verificar da estabilidade sísmica das paredes das casas antigas, para percorrem os diversos arraiais lisboetas.

Não se esqueçam que o tempo de espera médio para se ser aviado nestes locais ronda os 45 minutos; que em 3 sardinhas, 2 estão imprestáveis; o pão foi cortado por uma faca que já caiu ao chão 30 vezes e o vinho e a sangria são servidos pela mesma mão que esteve a limpar as mesas sebosas. A ASAE, digamos assim, que não frequenta muito os Arraiais!!

Atenção, este ano a polícia já avisou que vai fazer testes ao grau de alcoolémia de quem se encontrar em aparente estado de embriaguez nos Santos Populares.

Não se preocupem com esta informação. Primeiro, porque os que destoam da multidão são os que não bebem, logo aqueles que parece que se estão a comportar de uma maneira estranha e, portanto, chamados a fazer o teste. Segundo porque os próprios polícias, por volta das duas da matina, já estão também a recitar sonetos aos candeeiros!

Portanto, depois de gastarem o ordenado mensal da obtidos na lavoura lá da vila em 5 sardinhas e 15 copos de vinho tinto, os nossos casais estão prontos para a emocionante viagem de regresso ao Campo Grande, onde descansa o bólide Fiat Punto 1.2 (com embelezadores de rodas prateados, claro!!)


4 – O REGRESSO

Já bem comidos e com um pifo desgraçado a corroer os seus cérebros, os nossos casais têm de regressar ao carro. Como são 4.30 da madrugada não existem transportes públicos disponíveis e os táxis estão cheios.

Portanto a única alternativa é fazer uma saudável e vigorosa caminhada até ao Campo Grande! 7 quilómetros em ziguezague constante, paragens para aliviar a bexiga no poste mais perto (homens) ou no arbusto mais recôndito (mulheres), e apalpões intensos nas nádegas da raparigas.

É plenamente normal que as senhoras tenham tendência para tirar aquelas sandálias com os tais saltos de 5 cm, carregando-as nas mãos enquanto amaldiçoam a vida pelo transtorno que estão a passar e pisam toda a porcaria que se encontra espalhada pelo passeio. Por esta altura também é natural que iniciem um complexo ritual de aproximação ao macho no sentido de este demonstrar a sua masculinidade através do transporte da referida fêmea nos 5 quilómetros que ainda os separam da viatura. O problema é que, neste momento, a única forma de demonstração de força que os rapazes conhecem é a medição do tamanho do repuxo da urina enquanto vertem águas, e o esforço para arrotar o refrão do “bacalhau quer alho”.

Chegados ao carro, os casais demoram cerca de meia hora para conseguirem entrar, derivado do elevado estado de embriaguez, que impulsiona os jovens machos, possuídos por diversas hormonas em avançado grau alcoólico, para o banco de trás do carro, enquanto as donzelas debatem-se ferozmente contra os seus avanços com pancadinhas secas no peito dos jovens e gritinhos histéricos de “estás é bêbado, sou uma mulher de respeito, pensas que sou a galdéria com que tu andaste antes de mim??”.

Perante a falta de resultados dos seus avanços, os rapazes lá se sentam e o condutor, depois de demorar 10 minutos para encontrar a ignição, avança com o carro pela A8, à velocidade vertiginosa de 140 km enquanto grita para o pendura “Estás a ver, isto é que é andar!!”

Bem, espero que este pequeno guia da noite dos Santos seja útil para todos os leitores que não estão devidamente familiarizados com as festas alfacinhas e proporcione momentos de diversão a todos.

Bons Santos populares e…………………… Muito guronsan!!

4 comentários:

Sofia disse...

Muito ilucidativo.
Gosto tanto deles...dos bimbos que fazem dessa noite a noite da vida deles.

Há outros, há aquelas meninas estudantes de cursos da moda, aquelas que têm vergonha dos pais que são donos da mercearia "silva&santos" mas depois gostam de se misturar com o povo para preto ver que elas são multifacetadas....e em casa gritam porque "sardinha e comida de pobre" lambuzam se todas numa tasca qualquer a pagar 5 Euros o peixito....

João Pinto disse...

SNNS, tens toda a razão. Existem personagens neste nosso universo que conseguem atingir limites de mediocridade que se poderiam julgar inultrapassáveis.

Avelã disse...

não gosto de festas populares, irritam-me, apetece-me partir pa porrada, mas o teu gps esta um espectaculo mesmo eu nao reconhecendo nenhum dos sitios que mencionaste, acho que se fosse aí nesse dia recorria a um dos meus amigos lisboetas e prontus, tu por exemplo, beijo

Sem disse...

É mesmo por estas que eu fujo dos arraiais como o Diabo da Cruz!

Beijos

Excelente texto! Parabéns!