domingo, junho 24, 2007

O Carácter e o Canudo

Em Portugal existe, como sabemos, a paranóia dos canudos, sendo que esta realidade demonstra-se a diversos níveis.

Eu sou bancário e tenho de, por diversas vezes, fazer atendimento aos clientes. Muitas vezes começam logo a tratar-me por “Dr. João Pinto” e, noutras situações, perguntam-me primeiro “desculpe, o senhor é licenciado?”.

No primeiro exemplo nada posso fazer, pois seria indelicado eu afirmar “desculpe, mas está-me a tratar por Dr por algum motivo especial, ou sou eu que tenho cara de canudo universitário?”. Já no segundo caso, respondo normalmente com um irónico “sim, por acaso sou, tem sorte, hem?”, sendo que, felizmente para a minha estabilidade profissional, a outra parte não atinge a ironia da minha resposta.

É que me irrita profundamente este hábito de valorizar alguém pelo nível académico e não pelo seu real valor como ser humano e capacidades pessoais.

Tal como devemos analisar convenientemente a importância que o nível académico tem na formação pessoal e profissional de um indivíduo.

E eu, sinceramente, já cheguei há muito tempo à conclusão que ninguém se torna num ser humano melhor a qualquer nível, seja em termos de personalidade, feitio ou consciência cívica e pessoal, só porque tem um elevado nível de estudos.

Pode ter mais conhecimentos de determinadas áreas, pode ser alguém com uma cultura geral vastíssima, um excelente profissional no seu ofício, mas continuará a ser um péssimo ser humano, independentemente de ter um curso, doutoramento ou, simplesmente, o 9º ano, se tal for o seu carácter.

Os motivos para tal acontecer são vastíssimos, mas prendem-se com toda a formação pessoal que temos desde que nascemos, da família, dos amigos, dos conhecidos, do meio social em que no inserimos, e da escola também, mas no início. Para mim, o 1º ciclo é fundamental para a formação das crianças, devendo residir aí o grande investimento da escola no desenvolvimento de melhores cidadãos no futuro.

Conheço muitas pessoas que concluíram um curso superior que são e continuarão a ser seres humanos reles e maldosos, tal como conheço imensas pessoas que, com uma baixa frequência académica, são excelentes pessoas e seres humanos bondosos e bem formados. Tal como acontece o contrário: o que defendo é que o carácter das pessoas não está intimamente ligado ao seu nível académico ou profissional.

Aprender a valorizar as pessoas pelo seu carácter e não pelo que elas atingiram profissionalmente ou academicamente, ajuda também a fazer um mundo melhor.

11 comentários:

Sofia disse...

Bom dia:)

De um lado tens razão; a nível profissional existem pessoas que podem até saber o que fazem técnicamente mas não têm valores morais nenhuns...já levei nas trombas de uma "Dótora" que de equilibrada não tinha nada. Agora realmente confiar para a decoração da casa ou para criar peças, aí sim, prefiro um licenciado. O problema é que, há falta de melhor, usamos sempre o curso superior como certificado de competencia, e isso não funciona. A competencia é sempre consequencia de interesse e educação. Sem essas duas caracteristicas, não há canudo que resista. Quem quer ser chamado de Engº ou Drº, deve ser limitado quanto à pessoa que é mesmo. E com tanto alarido m relação aos cursos e aos tachos e ao excesso de procura...isto tá mau...muito mau...só Tór João....:)

João Pinto disse...

A questão basilar, e sobre a qual eu escrevi, é a de que ninguém é melhor pessoa só pelo facto de ter um determinado grau de escolaridade. Obviamente que considero que um grau de estudos elevado pode ajudar a incrementar o carácter correcto de alguém, ao dar-lhe mais ferramentas mentais, mas não o modifica de mau para bom.

Sofia disse...

Talvez não estejamos na mesma linha de pensamento;

Uma pessoa que esteja em Artes, desenvolve sensibilidades, quem tiver tirado matemáticas, tem raçiocinio lógico, e por aí. Quem não tiver tirado nada, de duas uma, ou viajou muito e tem "open mind" ou ficou em casa a ver fatima lopes e leia "24 horas", ou foi trabalhar com pessoas que fizeram isso...e daí estagnam. É claro que generalizo, mas é mesmo assim...e olha que não tenho o meu curso feito hum? falo contra mim. O ser é feito por genes, educação e ambiente em que está inserido...infelizmente.....e tanto há por dizer que mostrem que não estou a ser rotulista...

Sem disse...

Concordo que a integridade das pessoas não se mede pelo grau académico que conseguiram obter. Todavia, se alguém é licenciado, não vejo mal nenhum em tratar essa pessoa por Sr. Dr. ou Sr. Engenheiro. Até aos padres uma pessoa se refere como Sr. Padre fulano de tal e não apenas pelo nome próprio! Acho uma cortesia social e profissional como outra qualquer.
De maus gosto e pindérico é quando o próprio se auto-intitula Dr. Fulano de tal!

João Pinto disse...

SNNS: Concordo contigo. Basicamente o que pretendi dizer foi, como a Princesinha tão bem resumiu, a integridade das pessoas não se mede pelo grau académico.

Princesinha Urbana: Também não vejo mal nenhum em se tratar as pessoas pelos graus académicos, até porque também o faço quando sei que o meu interlocutor tem um determinado grau académico. O que me irrita mesmo é a pressa que as pessoas têm em saber se estão perante um Sô Tôr ou não, em vez de ser uma constatação natural no decorrer de uma relação comercial, ou começarem a tratar por Sô Tôr sem saberem se do outro lado está alguém licenciado.

Sem disse...

João: Se bem percebi, o teu texto era sobre o carácter e o canudo e não sobre a pressa de descobrir ou não se se está perante um licenciado ou não, daí o meu comentário.
Quanto à pressa em descobrir se a pessoa é licenciada ou não, francamente nunca senti isso. E cada um tem os seus motivos de irritação na vida. Legítimos mesmo! LOL
Da mesma forma que afirmas orgulhosamente "sou bancário", há quem goste de se afirmar "sou sr dr". :)

André disse...

Eu sou preguiçoso. Dr. Preguiçoso.

João Pinto disse...

Princesinha: Sim, tens razão em relação ao tema base do texto.

;-( Já quanto ao facto de referires que eu me afirmo "orgulhosamente" como sendo bancário, como sabes é algo de que não tenho qualquer tipo de orgulho, para infelicidade do meu grau de realização pessoal e profissional.
Apenas abordei esse aspecto para contextualizar o meu contacto com outras pessoas a nível profissional.

Avelã disse...

João não podia estar mais de acordo contigo mas infelismente e julgo até que cada vez mais se dá muito valor ao canudo , nem que não seja isso que vá realizar a pessoa, o que interessa é ter um canudo... fico feliz por conhecer tanta gente com canudo e tão humilde, tenho ate orgulho ;)

anónima por ser ex bloguista disse...

Concordo totalmente consigo.
Isto pode parecer um cliché, mas ainda ontem comentava que se há pessoa que admiro pela sua força e CARACTER é a minha mãe que apenas tem a quarta classe.
Mas é claro que no mundo há de tudo um pouco.

Frontwave disse...

Bom, eu e vários colegas decidimos ocultar o facto de sermos engenheiros desde a história do Sócrates. Quanto ao canudo, gosto de o utilizar na expressão: "Oh, que canudo..." - ler com sotaque nortenho por favor.

De resto, estou com o André. ele é que sabe como é! André, vamos ver Fish?
Aquele abraço